Uma paciente cheia de queixas - Parte 1


Parte 1:

A Sra. NSL, 38 anos, solteira, empregada domestica, ao ser indagada sobre o motivo da consulta respondeu: "Tenho um tanto de problemas".

Realmente, apesar do excelente estado geral, ao longo da consulta ela referiu várias queixas: pele seca, fraqueza no braço esquerdo, tontura, *cefaleia, olhos irritados, vermelhos e coçando, alergia a produtos de limpeza,  bolinhas na garganta, ofegante com facilidade mesmo ao caminhar normalmente, batedeira, teme problemas de coração, pernas e pés pesados e com dor em locais variados, caroço na mama há 20 anos, menstruação irregular, mioma, útero virado, memória falhando, pressão alta, dor na perna esquerda e nas cadeiras, enjôo, estômago azeda, intestino preso, barriga inchada e dor para evacuar. Em determinado momento, inclusive, chorou ao se lembrar do irmão que falecera de acidente e mencionou que nos períodos em que utilizava regularmente um antidepressivo grande parte dos sintomas melhorava (embora outros piorassem).

1) Antes de continuar a ler, pense um pouco: qual a sua primeira impressão sobre o caso?

Logo no início da consulta, ao ser indagada sobre qual o problema que mais a incomodava ultimamente, ela mencionou "o estômago". Segundo os dados obtidos pelo aluno, há muitos anos ela tem sentido náuseas e desconforto epigástrico quando permanece muitas horas sem se alimentar. Ela sente que o "estômago azeda, queima muito, a barriga puxa" e ela só melhora depois de "vomitar uma gosma verde". O quadro pode durar até dois a três dias. Não ocorre diariamente, e é mais frequente quando está ansiosa: "se fico nervosa, ataca"; "não sei brigar, se fico com raiva vem uma dor de cabeça e mal estar". Ocorre ainda se ela ingere torresmo, macarrão com molho branco, refrigerante, alguns queijos, enlatados e alimentos com creme de leite. Algumas crises surgem se ela ingerir bebidas alcoólicas (que ela consome apenas em pequenas quantidades). Apesar disto, ela cozinha com gordura de porco e sua dieta habitual inclui batatas fritas, mandioca, bolos e biscoitos,  mas não frutas e verduras.

Ela já tentou se tratar com chás de folha de mamão e boldo, analgésicos e medicamentos para digestão, mas não resolvem. Entretanto, há períodos em que ela permanece assintomática, por controlar a dieta e os horários de alimentação.

Por estas queixas ela já realizou uma esofagogastroduodenoscopia, que revelou "gastrite nervosa". Ela já tentou se consultar com um gastroenterologista, mas "nunca conseguiu".

Vamos interromper a anamnese por um momento, e começar o *raciocínio clínico.

2) O que sugere que os sintomas do "estômago" não são provocados por uma neoplasia gástrica?

3) A paciente apresenta sintomas e sinais de alerta para doenças graves?

4) Existe mesmo "gastrite nervosa"? O que há por trás deste diagnóstico (do ponto de vista do médico e do paciente)? Pensando na *relação médico-paciente, qual seria sua conduta sobre este diagnóstico?

5) Você acha que o diagnóstico da Sra. NSL poderia ser "*dispepsia funcional" (presença de sintomas digestivos, muitas vezes associados a problemas emocionais, sem causa específica e sem evidência de doenças orgânicas detectáveis por exames)?