Um caso de labirintite. Ou não... (Parte 1)
A Sra. AC, 67 anos, veio se
consultar em junho de 2017 com queixa de "labirintite". As crises já
haviam a incomodado bastante em 2016, mas remitiram algumas semanas depois de
ter utilizado cinarizina. Agora ele voltou a apresentar tonteira, e quer saber
se deve tomar cinarizina de novo.
Sabendo que cinarizina é um placebo,
o aluno decidiu investigar melhor os sintomas. Ele sabia que uma causa comum de
tonteira em idosos era a hipotensão ortostática, provocada pelo uso de
anti-hipertensivos e outros medicamentos. E sabia que o termo "labirintite"
frequentemente é aplicado para qualquer tipo de tonteira, sendo que a
labirintite aguda (mesmo) é bem menos frequente.
Primeiro ele pediu a ela para
descrever o que ela chamava de labirintite. Ela descreveu que de repente
parecia que tudo em volta estava rodando. Esta falsa sensação de movimento é
chamada de vertigem, e neste caso, uma vertigem rotatória. Este tipo de sintoma
realmente costuma ter origem vestibular (no labirinto), pensou ele; o que reduz
a chance de hipotensão ortostática. Então ele perguntou se ocorria em alguma
posição especial; se ela dissesse que era mais frequente ao se levantar da
cama, ou de uma cadeira, poderia sugerir a hipotensão ortostática. Mas ela
disse que nos períodos de crise tinha tonteira principalmente de manhã cedo, deitada,
quando virava de lado na cama. Mas acontecia também ao movimentar a cabeça
quando estava sentada, como quando ao abaixar a cabeça para amarrar os sapatos.
A princípio estava descartada a hipotensão ortostática.
Ele desconfiou então de uma outra
causa comum de vertigem, bastante confundida com labirintite: a vertigem
posicional paroxística (VPP).
Na labirintite aguda há crises de
vertigem que duram várias horas (algumas vezes dias!), e não há um fator
desencadeante claro. Muitas vezes o paciente apresenta vômitos e acaba se dirigindo
a um serviço de urgência. Já na vertigem posicional, movimentos da cabeça
desencadeiam as crises - algumas vezes com náuseas - mas a vertigem cede poucos
segundos após terminar o movimento da cabeça. O paciente tipicamente diz “eu
fico bem parado e a tonteira acaba”.
E realmente a idosa mencionou que a
tonteira que mais a incomodava era quando estava deitada e virava de lado na
cama. Tudo rodava, ela ficava bem parada e a tonteira acabava.
Por curiosidade, o professor
perguntou se ocorria zumbido ou perda de audição nestes episódios, mas a
paciente negou. Estes sintomas são comuns em outra causa de vertigem de origem
vestibular: a Doença de Menière.
Com o diagnóstico provável de VPP em
mente, a tarefa agora era testar a hipótese pelo exame físico. Depois de
orientar à paciente sobre a importância de confirmar o diagnóstico, o professor
fez uma manobra (deitou a paciente bruscamente) tentando desencadear os
sintomas. Realmente, depois de poucos segundos, a vertigem surgiu. E mais: ela
apresentou nistagmo - um movimento repetitivo do globo ocular. O nistagmo é
muito comum nos episódios de VPP; começa alguns segundos depois da movimentação
da cabeça e dura menos de um minuto depois que o movimento é interrompido.
Depois o aluno deixou a paciente
deitada em repouso por alguns minutos e aferiu a pressão algumas vezes: as
medidas foram aproximadamente 130/80 mmHg. Então ele pediu a ela que
assentasse, e em seguida ficasse de pé. As medidas de pressão com ela assentada
e de pé (mesmo repetindo depois de 1 e 3 minutos de pé) foram bastante
semelhantes à pressão arterial deitada.
Os dados do exame físico reforçaram
a hipótese de VPP, e não demonstraram hipotensão ortostática. O professor
realizou então mais algumas manobras: deitou a paciente bruscamente, em seguida
virou-a de lado, e depois pediu que se assentasse novamente. E recomendou que
durante dois dias ela não se deitasse; poderia dormir assentada.
Na aula seguinte, uma semana depois,
a paciente estava muito feliz; não apresentara nenhum episódio de vertigem. Ela
retornou recentemente ao ambulatório e confirmou que nestes meses não
apresentou mais episódios.
Você conseguiu entender o que aconteceu?