Que medicamentos o sr. está tomando? (Parte 1)

O senhor AH, 74 anos, compareceu à consulta para “controle de diabetes”, acompanhado da 2ª esposa e da irmã. Ele é um comerciante aposentado, nasceu em Itabirito e mora em Belo Horizonte.

O diabetes foi diagnosticado há cerca de 6 anos, com exames de glicemia de jejum “muito altos”. Desde então ele iniciou o acompanhamento com um clínico, mas o médico se aposentou no ano passado e ele veio se consultar hoje para reiniciar o acompanhamento.

O Sr. AH, sempre muito alegre e falante na consulta, informou que é sedentário e vem mantendo o colesterol e a pressão arterial adequados. Não fuma ou consome bebidas alcoólicas e disse que segue a dieta para diabetes, embora precise perder um pouco de peso (no exame o IMC era 28). Mostrou a receita que está utilizando desde a ultima consulta com o clínico anterior: glicazida 60 mg e vildagliptina 50 mg de manhã; metformina 500 mg e sinvastatina 20 mg à noite. A esposa, visivelmente impaciente com o marido disse - entretanto - que ele de vez em quando come rosca doce na padaria da esquina e “não toma os remédios direito”. 

Segundo ele, nunca foi necessário um atendimento de urgência ou internação pelo diabetes. Ele também negou complicações sugestivas de doença coronariana ou cerebrovascular, problemas renais, oftalmológicos ou com os pés.

Na revisão dos sistemas ele não tinha queixas, bem como não havia problemas relevantes na história pregressa. Mas a esposa disse que ele “estava muito esquecido, não tomava banho e dormia até tarde”; ele retrucou dizendo que ela estava exagerando. Durante a consulta, enquanto a esposa saiu para ir ao toalete e o paciente estava deitado na mesa de exame, a irmã confidenciou ao médico que estava muito preocupada com o grau de conflitos entre a nova esposa e o irmão; todos comentavam o quanto ela era agressiva com ele.

O exame físico não revelou nada significativo e o médico pediu alguns exames laboratoriais. Na consulta seguinte, dentre os resultados mais importantes se destacavam o colesterol LDL (142 mg/dL) e a hemoglobina glicada (9,4%). O médico decidiu então reforçar a importância da dieta e estilo de vida saudável. Pensando na redução do peso do paciente e do custo total da prescrição, substituiu a vildagliptina por duas doses adicionais de 500 mg de metformina, e a sinvastatina por 10 mg de atorvastatina.

A estratégia não deu certo. O paciente retornou em três meses com exames ainda mais alterados: colesterol LDL=174 mg/dL e hemoglobina glicada=11,2%. O paciente continuava com a aparência excelente, alegre e falante; mas a esposa continuava impaciente, queixando-se que o marido não fazia dieta, comia rosca na padaria, não tomava os medicamentos corretamente, estava esquecido, não tomava banho e não ajudava em nada em casa. A irmã confidenciou, novamente, que a situação conjugal continuava ruim.

O médico ficou com receio de ter tomado uma decisão errada por ter suspendido a vildagliptina e voltou com a droga à prescrição, mantendo o restante. E reforçou novamente a necessidade da dieta e estilo de vida saudável.

Mais três meses se passaram. O trio voltou para a consulta: o paciente alegre, a esposa impaciente e a irmã preocupada. Mas, desta vez, a hemoglobina glicada havia caído para 4,2% e o colesterol LDL para 82 mg/dL. Só pode ter sido erro do laboratório, pensou o médico...

Mas não era. O que poderia ter acontecido?